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Muito pouco se sabe sobre Luiz José Maria de Oliveira, e somente algumas breves passagens em jornais nos permitem traçar um retrato incompleto deste homem, que foi músico, litógrafo, comerciante e cabeleireiro.
A sua única obra musical conhecida é o O Conimbricense Armónico, periódico publicado em Coimbra entre 1848 e 1849 em 26 números e litografados e editados pelo próprio. Esta colecção constitui um dos poucos exemplos de composição para a chamada viola francesa em Portugal no século XIX.
O Conimbricense Armónico/ Períódico de Muzica/ que contem alternadamente/
Simphonias, Variações, Caprichos, Fantasias,/Pot-pourris, Arias, Cavatinas, Cabaletas, Ron/
dos, Contradanças e Waltzs Etcª/ Arranjadas/
PARA VIOLA FRANCEZA/por/L.J. M. Oliveira/Coimbra/
Lith de LJM Oliveira/1ª Epoca Nº
Esta coleção encontra-se guardada – porém incompleta – em dois locais. Na Biblioteca Municipal de Coimbra (BMC) e na Biblioteca da Universidade de Las Palmas de Gran Canaria (ULPGC). Na BMC encontram-se dez números (excluindo três repetidos) e onze na ULPGC. São coincidentes excepto em dois números. O volume encadernado da ULPGC é oriundo da biblioteca do bibliófilo português Annibal Fernandes Tomaz (1849-1911), e posteriormente adquirido pelo musicólogo espanhol Lothar Siemens (1941-2017). Restam assim doze números, num possível total de 26, segundo anotações manuscritas nos exemplares da BMC. Embora bastante incompleta, alguns exemplares da BMC têm a numeração aposta no campo do frontispício para esse efeito. Por outro lado no volume da ULPGC a numeração é simplesmente sequencial e escrita provavelmente pelo proprietário do volume.
Os dados biográficos que dispomos de Luiz Oliveira foram descoberto no passado mês de Junho (2024), através da pesquisa de registos paroquiais, partindo de dois marcos temporais previamente conhecidos – a publicação do Conimbricense Armónico em 1848/1849 e um artigo de 1870 no jornal O Conimbricense, a propósito da fundação da Sociedade Dramática Musical, e que menciona Luiz José Maria de Oliveira como “sócio executante” da sua orquestra1. Dada a localização da sua residência, na antiga Rua da Calçada (actual Ferreira Borges), a paróquia mais provável para encontrar o seu registo de óbito seria assim São Bartolomeu, e efectivamente, foi aí encontrado2. Segundo o assento, Luiz Oliveira faleceu no dia 15.IX.1883, sendo também referido o Luso como o seu local de nascimento (a 10.IX.1821), o seu ofício de cabeleireiro, o nome dos seus pais (Bernardo José Maria e Josepha de Jesus)3, bem como a sua cônjuge, Ludovina Caldeira4.
O jornal “O Conimbricense” de 18 de Setembro de 1883 dá conta do falecimento de Luiz José Maria de Oliveira, referindo não só a sua profissão e a sua vida cívica, mas sobretudo destacando o seu talento musical, mencionando com detalhe a publicação do Conimbricense Armónico.
O salão de cabeleireiro de Luiz Oliveira, era também local de venda de partituras, métodos e instrumentos, bem como de revistas várias. Seria também a sua residência e o local onde daria as suas lições de música. A actividade profissional de litógrafo de Luiz José Maria de Oliveira é também documentada através de um anúncios de jornais para uma publicação musical chamada Recreio Musical Conimbricense (1852), com peças para piano, bem como a oferta de serviços vários de litografia (1856).

Apesar destas informações, nada se sabe – por enquanto – sobre a sua aprendizagem e percurso na música, mas poderemos supor, partindo da análise das suas composições e arranjos, que teria tido uma boa formação e acesso a música de guitarra de mestres como Aguado ou Carulli. A edição do Conimbricense Armónico é graficamente cuidada, as gralhas são raras, facilmente detectáveis e corrigíveis pelo contexto harmónico. A caligrafia é limpa e a escrita musical, com uma clara separação das vozes, implica o conhecimento de regras harmónicas e de composição5
Quando, há poucos anos, tive conhecimento desta coleção através do Adamo Caetano (e por sua vez do prof. Flávio Pinho), tive a dúvida fundada se Luiz Oliveira seria efectivamente o autor destas obras e arranjos. As leis de direito de autor transnacionais eram, à época, inexistentes ou de fraco alcance e o plágio e a contrafacção, uma prática corrente. Para além disso, a circulação do Conimbricense Armónico seria reduzida, consequência de uma edição de autor, numa cidade – ainda que importante a nível nacional – distante dos grandes centros musicais europeus.
Até à data, não consegui encontrar estas obras noutras fontes. Nas peças onde não consta o autor, poderemos, pelo menos até existirem provas em contrário, assumir que são originais. Os arranjos de arias de ópera parecem ser adaptados de reduções para piano, de grande circulação à época, e que Luiz José Maria de Oliveira teria acesso, e que também venderia no seu salão.
Desta coleção destacam-se duas obras, pela sua dimensão e cunho virtuosístico – as Grandes Variaçoens (sic) e as Variaçoens sobre um Tema Sentimental. Seguem um padrão comum nesta forma musical – introdução (no caso das segundas), tema e variações com texturas diversas, mudança de tonalidade, carácter, métrica e compasso. As Variações sobre um tema sentimental acabam de ser publicadas (na secção Partituras do site) e em breve estarão também disponíveis as Grandes Variações e a Nova Quadrilha de Contrandanças .
Rui Namora, Julho de 2024
- A par de outra figura que viria a alcançar uma enorme relevância na vida musical da cidade, o então estudante de Direito António Simões de Carvalho Barbas (1849-1916). ↩︎
- Agradeço ao Jorge Benjamim Gomes Resende e ao Adamo Caetano pela localização destes registos. ↩︎
- De acordo com o assento de baptismo, Luiz seria filho de pai incógnito, por este ser casado. No entanto, após enviuvar, Bernardo José Maria (barbeiro e natural do Luso) casou-se com Josefa de Jesus em 1842, ficando assim legitimada a paternidade de Luiz. ↩︎
- Segundo informação encontrada no assento de baptismo, de 15.IX.1821 na Igreja de Nossa Sr.ª da Natividade, no Luso. ↩︎
- Por oposição, as peças do Methodo Geral de Viola Franceza, de Manoel Nunes Aguedo, publicado no Porto em 1856, apresentam uma notação mais rudimentar, sem a referida separação de vozes. ↩︎



